sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Conselho de Ovídio para as mulheres



Não te envergonhes dos cabelos soltar como as Bacantes
e faz girar o colo emoldurado pela solta cabeleira.
Para os prazeres de Vênus praticar há mil maneiras.
Mas a mais repousante e menos complicada
é ficares sobre o flanco direito meia deitada.
Sinta a mulher que os deleites de Vênus
ressoam nos abismos do seu ser;
e para os dois amantes
seja igual o prazer.

Nunca os doces murmúrios se interrompam
nem as palavras que escorrem quais carícias
e no meio das volúpias não se calem
aquelas que soam mais lascivas.

Mesmo se a natureza te negou
de Vénus as frementes sensações,
finge o doce prazer experimentar
com mentirosas inflexões.
Infeliz da mulher se o órgão de prazer permanece insensível
e que volúpias deve originar para ela e para o amante.
Mas cuidado não seja o fingimento
manifesto e visível.
Que a fingida expressão e os movimentos
que o teu amante enganam
seja aos teus olhos crível.

A volúpia, as palavras e a respiração
serão os instrumentos
com que fabricarás sua ilusão.
Impede-me o pudor de prosseguir.
Do teu órgão, mulher,
são secretos os meios de expressão.


(Ovídio - 43 a.C - 18 d.C, In A Arte de Amar)


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A mulher esperando homem - Rubem Braga

O tema da mulher esperando o homem há muito, muito tempo menina; sei que é velho, já serviu para sonetos, contos, páginas de romance, talvez quadro de pintura, talvez música. E eu que não sei fazer nada disso sou, entretanto, perseguido por histórias de mulher esperando homem, mais banais às mais terríveis.
Agora mesmo, quando passou o aniversário da revolução húngara, eu me lembrei que de todos os relatos, alguns dolorosos, horríveis, gente que fugiu da Hungria, havia o de uma mulher que contou com simplicidade sua história; e foi o que mais me impressionou quando o li, de madrugada, no meu quarto de hotel em Nova York. O marido saiu para a revolução e lhe disse que ela não saísse de casa de maneira alguma, e esperasse sua volta. Chegou a noite e ele não veio; passou a noite inteira acordada, e ele não veio; no outro dia entraram na rua tanques russos atirando, e veio outra vez a noite, e veio outro dia, e veio outra noite, e ela esperando; cochilava um pouco sentada, acordava assustada julgando ouvir os passos ou a voz dele, até que chegou por um parente a notícia de que ele morrera.
Ela então saiu de casa e - “como eu não tinha mais nada que esperar", segundo disse - fugiu para a fronteira da Áustria.
Não sei por que, achei que essa mulher sentiu um alívio ao saber que não devia esperar mais; acontecera, naturalmente, o pior. Mas a angústia de esperar cessara.
O homem ausente era como um carcereiro que a prendia no lar transformado em câmara de torturas. Ela agora estava desgraçada, mas livre. Mas não é preciso haver guerra nem nenhum perigo; nesta madrugada em que escrevo, em Ipanema, quantas mulheres não estarão esperando os maridos? Aquela pequena luz acesa em um edifício distante é talvez o apartamento da mulher insone que já telefonou meio envergonhada para várias casas amigas perguntando pelo marido, que já olhou o relógio vinte vezes e tomou comprimido para dormir, ligou a Rádio Relógio, tentou ler uma revista velha, fumou quase um maço de cigarros. Não importa que seja a esposa vulgar de um homem vulgar; e que no fim a história do atraso dele seja também completamente vulgar. Neste momento ela é a mulher esperando o homem; e todas as mulheres esperando seus homens se parecem no mundo, e se ligam por invisível túnel de solidariedade que atravessa as madrugadas intermináveis.
Todas: a mulher do pescador, a mulher do aviador, e a do revisor de jornal, a do milionário e a do ministro protestante...
Devia haver um santo especial para proteger a mulher esperando o homem, devia haver uma oração forte para ela rezar; ela está desamparada no centro de um mundo vazio.
Ela começa a odiar os móveis e as paredes; a torneira da pia lhe parece antipática; a geladeira, que aliás precisa ser pintada, é estúpida, porque ronca de repente e depois o silêncio é mais quieto. A cama é insuportável.
Devia haver um número de telefone especial para a mulher que está esperando o homem chamar, reclamar providências, ouvir promessas, insistir, tocar outra vez, xingar, bater com o fone. Devia haver funcionários especiais, capazes de abastecer essa mulher de esperança de quinze em quinze minutos, jurar que todas as providências já foram tomadas, “estamos seguros de que dentro de poucos minutos teremos alguma coisa a dizer à senhora..."
E diria que pelo menos no necrotério ele não está, nem no Pronto Socorro, nem em delegacia nenhuma; mas não diria isso de uma só vez, e sim através de informes espaçados, que fossem formando etapas de ansiedades, que quadriculassem lentamente a insônia.
A mulher que está esperando o homem está sujeita a muitos perigos entre o ódio e o tédio, o medo, o carinho e a vontade de vingança. Se um aparelho registrasse tudo o que ela sente e pensa durante a noite insone, e se o homem, no dia seguinte, pudesse tomar conhecimento de tudo, como quem ouve uma gravação numa fita, é possível que ele ficasse pálido, muito pálido.
Porque a mulher que está esperando o homem recebe sempre a visita do Diabo, e conversa com ele. Pode não concordar com o que ele diz, mas conversa com ele.

(Rubem Braga,  Novembro, 1957)

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Obscenidades para uma dona-de-casa - Ignácio de Loyola Brandão

Três da tarde ainda, ficava ansiosa. Andava para lá, entrava na cozinha, preparava nescafé. Ligava televisão, desligava, abria o livro. Regava a planta já regada, girava a agenda telefônica, à procura de amiga a quem chamar. Apanhava o litro de martíni, desistia, é estranho beber sozinha às três e meia da tarde. Podem achar que você é alcoólatra. Abria gavetas, arrumava calcinhas e sutiãs arrumados. Fiscalizava as meias do marido, nenhuma precisando remendo. Jamais havia meias em mau estado, ela se esquecia que ele é neurótico por meias, ao menor sinal de esgarçamento, joga fora. Nem dá aos empregados do prédio, atira no lixo.

Quatro horas, vontade de descer, perguntar se o carteiro chegou, às vezes vem mais cedo. Por que há de vir? Melhor esperar, pode despertar desconfiança. Porteiros sempre se metem na vida dos outros, qualquer situação que não pareça normal, ficam de orelha em pé. Então, ele passará a atenção no que o carteiro está trazendo de especial para a mulher do 91 perguntar tanto, com uma cara lambida. Ah, aquela não me engana! Desistiu. Quanto tempo falta para ele chegar? Ela não gostava de coisas fora do normal, instituiu sua vida dentro de um esquema nunca desobedecido, pautara o cotidiano dentro da rotina sem sobressaltos. Senão, seria muito difícil viver. Cada vez que o trem saía da linha, era um sofrimento, ela mergulhava na depressão. Inconsolável, nem pulseiras e brincos, presentes que o marido trazia, atenuavam.

Na fossa, rondava como fera enjaulada, querendo se atirar do nono andar. Que desgraça se armaria. O que não diriam a respeito de sua vida. Iam comentar que foi por um amante. Pelo marido infiel. Encontrariam ligações com alguma mulher, o que provocava nela o maior horror. Não disseram que a desquitada do 56 descia para se encontrar com o manobrista, nos carros da garagem? Apenas por isso não se estatelava alegremente lá embaixo, acabando com tudo.

Quase cinco. E se o carteiro atrasar? Meu deus, faltam dez minutos. Quem sabe ela possa descer, dar uma olhadela na vitrine da butique da esquina, voltar como quem não quer nada, ver se a carta já chegou. O que dirá hoje? Os bicos dos teus seios saltam desses mamilos marrons procurando a minha boca enlouquecida. Ficava excitada só em pensar. A cada dia as cartas ficam mais abusadas, entronas, era alguém que escrevia bem, sabia colocar as coisas. Dia sim, dia não, o carteiro trazia o envelope amarelo, com tarja marrom, papel fino, de bom gosto. Discreto, contrastava com as frases. Que loucura, ela jamais imaginara situações assim, será que existiam? Se o marido, algum dia, tivesse proposto um décimo daquilo, teria pulado da cama, vestido a roupa e voltado para casa da mãe. Que era o único lugar para onde poderia voltar, saíra de casa para se casar. Bem, para falar a verdade, não teria voltado. Porque a mãe iria perguntar, ela teria que responder com honestidade. A mãe diria ao pai, para se desabafar. O pai, por sua vez, deixaria escapar no bar da esquina, entre amigos. E homem, sabe-se como é, é aproveitador, não deixa escapar ocasião de humilhar a mulher, desprezar, pisar em cima.

As amigas da mãe discutiriam o episódio e a condenariam. Aquelas mulheres tinham caras terríveis. Ligou outra vez a tevê, programa feminino ensinando a fazer cerâmica. Lembrou-se que uma das cartas tinha um postal com cenas da vida etrusca, uma sujeira inominável, o homem de pé atrás da mulher, aquela coisa enorme no meio das pernas dela. Como podia ser tão grande? Rasgou em mil pedaços, pôs fogo em cima do cinzeiro, jogou tudo na privada. O que pensavam que ela era? Por que mandavam tais cartas, cheias de palavras que ela não ousava pensar, preferia não conhecer, quanto mais dizer. Uma vez, o marido tinha dito, resfolegante, no seu ouvido, logo depois de casada, minha linda bocetinha. E ela esfriou completamente, ficou dois meses sem gozar.

Nem dizia gozar, usava ter prazer, atingir o orgasmo. Ficou louca da vida no chá de cozinha de uma amiga, as meninas brincando, morriam de rir quando ouviam a palavra orgasmo. Gritavam: como pode uma palavra tão feia para uma coisa tão gostosa? Que grosseria tinha sido aquele chá, a amiga nua no meio da sala, porque tinha perdido no jogo de adivinhação dos presentes. E as outras rindo e comentando tamanhos, posições, jeitos, poses, quantas vezes. Mulher, quando quer, sabe ser pior do que homem. Sim, só que conhecia muitas daquelas amigas, diziam mas não faziam, era tudo da boca para fora. A tua boca engolindo inteiro o meu cacete e o meu creme descendo pela tua garganta, para te lubrificar inteira. Que nojenta foi aquela carta, ela nem acreditava, até encontrou uma palavra engraçada, inominável. Ah, as amigas fingiam, sabia que uma delas era fria, o marido corria como louco atrás de outras, gastava todo o salário nas casas de massagens, em motéis. E aquela carta que ele tinha proposto que se encontrassem uma tarde no motel? Num quarto cheio de espelhos, para que você veja como trepo gostoso em você, enfiando meu pau bem no fundo. Perdeu completamente a vergonha, dizer isso na minha cara, que mulher casada não se sentiria pisada, desgostosa com uma linguagem destas, um desconhecido a julgá-la puta, sem nada a fazer em casa, pronta para sair rumo a motéis de beira de estrada. Para que lado ficam?

Vai ver, um dos amigos de meu marido, homem não pode ver mulher, fica excitado e é capaz de trair o amigo apenas por uma trepada. Vejam o que estou dizendo, trepada, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Caiu em si raciocinando se não seria alguém a mando do próprio marido, para averiguar se ela era acessível a uma cantada. Meu deus, o que digo? Fico transtornada com estas cartas que chegam religiosamente, é até pecado falar em religião, misturar com um assunto deste, escabroso. E se um dia o marido vier mais cedo para casa, apanhar uma das cartas, querer saber? Qual pode ser a reação de um homem de verdade, que se preze, ao ver que a mulher está recebendo bilhetes de um estranho? Que fala em coxas úmidas como a seiva que sai de você e que eu provoquei com meus beijos e com este pau que você suga furiosamente cada vez que nos encontramos, como ontem à noite, em pleno táxi, nem se importou com o chofer que se masturbava. Sua louca, por que está guardando as cartas no fundo daquela cesta? A cesta foi a firma que mandou num antigo natal, com frutas, vinhos, doces, champanhe. A carta dizia deixo champanhe gelada escorrer nos pêlos da tua bocetinha e tomo em baixo com aquele teu gosto bom. Porcaria, deixar champanhe escorrer pelas partes da gente. Claro, não há mal, sou mulher limpa, de banho diário, dois ou três no calor. Fresquinha, cheia de desodorante, lavanda, colônia. Coisa que sempre gostei foi cheirar bem, estar de banho tomado. Sou mulher limpa. No entanto, me pediu na carta: não se esfregue desse jeito, deixe o cheiro natural, é o teu cheiro que quero sentir, porque ele me deixa louco, pau duro. Repete essa palavra que não uso. Nem pau, nem pinto, cacete, caralho, mandioca, pica, piça, piaba, pincel, pimba, pila, careca, bilola, banana, vara, trouxa, trabuco, traíra, teca, sulapa, sarsarugo, seringa, manjuba.

Nenhuma. Expressões baixas. A ele, não se dá nenhuma denominação. Deve ser sentido, não nomeado. Tem gente que adora falar, gritar obscenidades, assim é que se excitam, aposto que procuram nos dicionários, para encontrar o maior número de palavras. Os homens são animais, não sabem curtir o amor gostoso, quieto, tranqüilo, sem gritos, o amor que cai sobre a gente como a lua em noite de junho. Assim eram os versinhos no almanaque que a farmácia deu como brinde, no dia dos namorados. Tirou o disco da Bethânia, comprou um LP só por causa de uma música, Negue. Ouvia até o disco rachar, adorava aquela frase, a boca molhada ainda marcada pelo beijo seu. Boca marcada, corpo manchado com chupadas que deixam marcas pretas na pele. Coisas de amantes. Esse homem da carta deve saber muito. Um atleta sexual. Minha amiga Marjori falou de um artista da televisão. Podia ficar quantas horas quisesse na mulher. Tirava, punha, virava, repunha, revirava, inventava, as mulheres tresloucadas por ele. Onde Marjori achou estas besteiras, ela não conhece ninguém de tevê?

Interessa é que a gente assim se diverte. Se bem que se possa divertir, sem precisar se sujeitar a certas coisas. Dessas que a mulher se vê obrigada, para contentar o marido e ele não vá procurar outras. Que diabo, mulher tem que se impor! Que pensam que somos para nos utilizarem? Como se fôssemos aparelhos de barba, com gilete descartável. Um instrumento prático para o dia-a-dia, com hora certa! Como os homens conseguem fazer barba diariamente, na mesma hora? Nunca mudam. Todos os dias raspando, os gestos eternos. É a impressão que tenho quando entro no banheiro e vejo meu marido fazendo a barba. Há quinze anos, ele começa pelo lado direito, o esquerdo, deixa o queixo para o fim, apara o bigode. Rio muito quando olho o bigode. Não posso esquecer um dia que os pelinhos do bigode me rasparam, ele estava com a cabeça entre as minhas pernas, brincando. Vinha subindo, fechei as pernas, não vou deixar fazer porcarias deste tipo. Quem pensa que sou? Os homens experimentam, se a mulher deixa, vão dizer que sou da vida. Puta, dizem puta, mas é palavra que me desagrada. E o bigode faz cócegas, ri, ele achou que eu tinha gostado, quis tentar de novo, tive de ser franca, desagradável. Ele ficou mole, inteirinho, durante mais de duas semanas nada aconteceu. O que é um alívio para a mulher. Quando não acontece é feriado, férias. Por que os homens não tiram férias coletivas? Ia ser tão bom para as mulheres, nenhum incômodo, nada de estar se sujeitando. Na carta de anteontem ele comentava o tamanho de sua língua, que tem ponta afiada e uma velocidade de não sei quantas rotações por segundo. Esse homem tem senso de humor. É importante que uma pessoa brinque, saiba fazer rir. O que ele vai fazer com uma língua a tantas mil rotações? Emprestar ao dentista para obturar dentes? Outra coisa engraçada que a carta falou, só que esta é uma outra carta, chegou no mês passado, num papel azul bonito: queria me ver de meias pretas e ligas. Ridículo, mulher nua de pé no meio do quarto, com meias pretas e ligas. Nem pelada nem vestida. E se eu pedisse a ele que ficasse de meias e ligas? Arranjava uma daquelas ligas antigas, que meu avô usava e deixava o homem pelado com meias. Igual fazer amor de chinelos. Outro dia, estava vendo o programa do Sílvio Santos, no domingo. Acho o domingo muito chato, sem ter o que fazer, as crianças vão patinar, meu marido passa a manhã nos campos de várzeas, depois almoça, cochila, e vai fazer jockeyterapia. Ligo a televisão, porque o programa Sílvio Santos tem quadros muito engraçados. Como o dos casais que respondem perguntas, mostrando que se conhecem. O Sílvio Santos perguntou aos casais se havia alguma coisa que o homem tivesse tentado fazer e a mulher não topou. Dois responderam que elas topavam tudo. Dois disseram que não, que a mulher não aceitava sugestões, nem achava legal novidade. A que não topava era morena, rosto bonito, lábio cheio e dentes brancos, sorridente, tinha cara de quem topava tudo e era exatamente a que não. A mulher franzina, de cabelos escorridos, boca murcha, abriu os olhos desse tamanho e respondeu que não havia nada que ele quisesse que ela não fizesse e a cara dele mostrava que realmente estavam numa boa. Parece que iam sair do programa e se comer.

Como se pode ir a público e falar desse jeito, sem constrangimento, com a cara lavada, deixando todo mundo saber como somos, sem nenhum respeito? Há que se ter compostura. Ouvi esta palavra a vida inteira, e por isso levo uma vida decente, não tenho do que me envergonhar, posso me olhar no espelho, sou limpa por dentro e por fora. Talvez por isso me lave tanto, para me igualar, juro que conservo a mesma pureza de menina encantada com a vida. Aliás, a vida não me desiludiu em nada. Tive pequenos aborrecimentos e problemas, nunca grandes desilusões e nenhum fracasso. Posso me considerar realizada, portanto satisfeita, sem invejas, rancores. Sou uma das mulheres que as famílias admiram neste prédio. Uma casa confortável, bem decorada, qualquer uma destas revistas de onde tiro as idéias podia vir aqui e fotografar, não faria vergonha. Nossa, cinco e meia, se não voar, meu marido chega, o carteiro entrega o envelope a ele, vai ser um sururu. Prestem atenção, veja a audácia do sujo, me escrevendo, semana passada. (Disse que faz três meses que recebo as cartas? Se disse, me desculpem, ando transtornada com elas, não sei mais o que fazer de minha vida, penso que numa hora acabo me desquitando, indo embora, não suporto esta casa, o meu marido sempre na casa de massagens e na várzea, esses filhos com patins, skates, enchendo álbuns de figurinhas e comendo como loucos.) Semana passada o maluco me escreveu: Queria te ver no sururu, ia te pôr de pé no meio do salão e enfiar minha pica dura como pedra bem no meio da tua racha melada, te fodendo muito, fazendo você gritar quero mais, quero tudo, quero que todo mundo nesta sala me enterre o cacete.

Tive vontade de rasgar tal petulância, um pavor. Sem saber o que fazer, fiquei imobilizada, me deu uma paralisia, procurei imaginar que depois de estar em pé no meio da sala recebendo um homem dentro de mim, na frente de todos, não me sobraria muito na vida. Era me atirar no fogão e ligar o gás. Entrei em pânico quando senti que as pessoas poderiam me aplaudir, gritando bravo, bravo, bis, e sairiam dizendo para todo mundo: "sabe quem fode como ninguém? A rainha das fodas?" Eu. Seria a rainha, miss, me chamariam para todas as festas. Simplesmente para me ver fodendo, não pela amizade, carinho que possam ter por mim, mas porque eu satisfaria os caprichos e as fantasias deles. Situações horrendas, humilhantes, desprezíveis para mulher que tem um bom marido, filhos na escola, uma casa num prédio excelente, dois carros.

Apanho a carta, como quem não quer nada, olho distraidamente o destinatário, agora mudou o envelope, enfio no bolso, com naturalidade, e caminho até a rua, me dirijo para os lados do supermercado, trêmula, sem poder andar direito, perna toda molhada. Fico tão ansiosa, deve ser uma doença que me molho toda, o suco desce pelas pernas, tenho medo que escorra pelas canelas e vejam. Preciso voltar, desesperada para ler a carta. O que estará dizendo hoje? Comprei puropurê, tenho dezenas de latas de puropurê. Cada vez que desço para apanhar a carta, vou ao supermercado e apanho uma lata de puropurê. O gesto é automático, nem tenho imaginação de ir para outro lado. Por que não compro ervilhas? Todo mundo adora ervilhas em casa. Se meu marido entrar na despensa e enxergar esse carregamento de puropurê vai querer saber o que significa. E quem é que sabe?

É dele mesmo, o meu querido correspondente. Confesso, o meu pavor é me sentir apaixonada por este homem que escreve cruamente. Querer sumir, fugir com ele. Se aparecer não vou agüentar, basta ele tocar este telefone e dizer: "Venha, te espero no supermercado, perto da gôndola do puropurê." Desço correndo, nem faço as malas, nem deixo bilhete. Vamos embora, levando uma garrafa de champanhe, vamos para as festas que ele conhece. Fico louca, nem sei o que digo, tudo delírio, por favor não prestem atenção, nem liguem, não quero trepar com ninguém, adoro meu marido e o que ele faz é bom, gostoso, vou usar meias pretas e ligas para ele, vai gostar, penso que vai ficar louco, o pau endurecido querendo me penetrar. Corto o envelope com a tesoura, cuidadosamente. Amo estas cartas, necessito, se elas pararem vou morrer. Não consigo ler direito na primeira vez, perco tudo, as letras embaralham, somem, vejo o papel em branco. Ouça só o que ele me diz: Te virar de costas, abrir sua bundinha dura, o buraquinho rosa, cuspir no meu pau e te enfiar de uma vez só para ouvir você gritar. Não é coisa para mulher ler, não é coisa decente que se possa falar a uma mulher como eu. Vou mostrar as cartas ao meu marido, vamos à polícia, descobrir, ele tem de parar, acabo louca, acabo mentecapta, me atiro deste nono andar. Releio para ver se está realmente escrito isso, ou se imaginei. Escrito, com todas as palavras que não gosto: pau, bundinha. Tento outra vez, as palavras estão ali, queimando. Fico deitada, lendo, relendo, inquieta, ansiosa para que a carta desapareça, ela é uma visão, não existe e, no entanto, está em minhas mãos, escrita por alguém que não me considera, me humilha, me arrasa.

Agora, escureceu totalmente, não acendo a luz, cochilo um pouco, acordo assustada. E se meu marido chega e me vê com a carta? Dobro, recoloco no envelope. Vou à despensa, jogo a carta na cesta de natal, quero tomar um banho. Hoje é sexta-feira, meu marido chega mais tarde, passa pelo clube para jogar squash. A casa fica tranqüila, peço à empregada que faça omelete, salada, o tempo inteiro é meu. Adoro as segundas, quartas e sextas, ninguém em casa, nunca sei onde estão as crianças, nem me interessa. Porque assim me deito na cama (adolescente, escrevia o meu diário deitada) e posso escrever outra carta. Colocando amanhã, ela me será entregue segunda. O carteiro das cinco traz. Começo a ficar ansiosa de manhã, esperando o momento dele chegar e imaginando o que vai ser de minha vida se parar de receber estas cartas.

O texto acima, publicado em "Os Melhores Contos de Ignácio de Loyola Brandão", seleção de Deonísio da Silva, Global Editora — São Paulo, 1997, foi eleito por Ítalo Moriconi e consta do livro "Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século", Editora Objetiva — Rio de Janeiro, 2000, pág. 471)

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Amar - Carlos Drummond de Andrade

 
"Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados amar?
.
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
.
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave
de rapina.Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
 
(Carlos Drummond de Andrade)

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Sede infinita

"Amor é coragens. E é sede depois de se ter bem bebido"

(João Guimarães Rosa - In Dão Lalalão; Noites do Sertão)


Consolo

"Doralda era um consolo. Uma água de serra - que brota, canta e cai partida: bela, boa e oferecida"

(João Guimarães Rosa - In Dão Lalalão; Noites do Sertão)

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A bunda, que engraçada!


A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem.
Ondas batendo numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda.
Vai feliz na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
redunda.

                                                           (Carlos Drummond de Andrade- In O Amor Natural)

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Para aquele que se diz meu namorado, meu amor, minha inspiração


"Dez na maneira e no tom
Você é o cheiro bom
Da madeira do meu violão
Você é a festa da Penha,
A feira de São Cristovão,
É a Pedra do Sal
Você é a Intrépida Trupe
A Lona de Guadalupe
Você é o Leme e o Pontal
Nunca me deixa na mão
Você é a canção que consigo
Escrever afinal
Você é o Buraco Quente
A Casa da Mãe Joana
É a Vila Isabel,
Você é o Largo do Estácio,
Curva de Copacabana
Tudo que o Rio me deu!
Pé do meu samba
Chão do meu terreiro
Mão do meu carinho
Glória em meu Outeiro
Tudo para o coração
De um brasileiro".

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O FURTO DO TELEFONE CELULAR


Sou uma mulher muito gostosa! Tesuda mesmo, mas não vou começar com aquelas descrições típicas de sites de contos eróticos, em que os personagens são sempre mulheres boazudas e homens irresistíveis. Acredito que o quê conta é a fantasia despertada, posto que, quem lê se excita é pensando em quem deseja, ainda que seja alguém inacessível ou que ficou no passado. Mesmo contaminado pelas impecáveis características físicas, o leitor goza é com a ideia de gozar da liberdade que a fantasia cria. No limite, assim como nos romances juvenis, a caracterização dos aspectos psicológicos, e não os físicos, é que nos envolve. Portanto, basta dizer que sou muito gostosa e relatar os fatos.
Trabalho numa empresa onde a maioria dos funcionários é do sexo masculino. Bastante assediada pelos homens, sou do tipo de mulher simpática e bem humorada, porém não me envolvo com pessoas do ambiente de trabalho. Namorei os últimos cinco anos e nunca trai, mas terminamos há quase cinco meses. Até o momento, quando ocorreu o que vou narrar, nunca tinha me relacionado sexualmente com meus colegas de trabalho nem com diretor algum. Já recebi propostas das mais indecorosas, desde uma rapidinha na sala de reuniões durante o expediente até um possível encontro em que eu receberia uma quantia bem alta para transar em sigilo com algum homem casado e carente. Confesso que a possibilidade de ganhar muito dinheiro por uma transa tenha já me tentado, afinal gosto de sexo e já transei sem receber nada em troca, quando na verdade mereceria ao menos um tratamento mais refinado: presentes, flores, vinhos, jantares bons e o protocolar telefonema no dia seguinte. Só não me tornei prostituta porque recebi uma boa educação moral dos meus pais e porque tenho um excelente diploma de curso superior. Apesar disso, não vou mentir que nunca fantasiei ser uma garota de programa, mas não passou de fantasia.
Fora isso, ando cansada de homens machistas que tratam as mulheres como objetos. Poxa! Passo horas malhando duro e faço dieta para ficar com este corpinho, frequento piscinas, praias e cachoeiras para obter estas marquinhas de bronzeado, trato dos dentes, cabelos e da pele, uso perfume importado, faço unhas, depilação e compro lingeries caras. Em suma: gasto quase tudo que ganho no meu trabalho para ser este pitéu todo e me revolto se um homem tem o desplante de me desdenhar. Cruz credo, chegam a ser deselegantemente atrevidos os homens de hoje em dia com esta mania de procurar sexo por distração. Pra cima de mim não mais! Quero homem que dê atenção aos meus sentimentos, por isso desde que meu último relacionamento acabou, decidi não me envolver mais com homens. Às vezes, penso em experimentar uma relação homo afetiva, mas falarei disso depois.
Estava há exatos quatro meses e quinze dias sem ter contato íntimo com pessoa alguma. Tornei-me até indiferente para com os homens, mas eles parecem ver nisso um desafio e me assediam cada vez mais. Não sucumbir a assédio em momento de carência é uma atitude heroica, mas a gostosa aqui estava se saindo bem até que, na semana passada ocorreu um fato inusitado.
No meio da tarde de uma segunda feira, fui até o café do meu departamento portando meu celular nas mãos e o deixei sobre o balcão. Vários homens tomavam café no momento e, como de costume, fui cortejada publicamente por algum imbecil e todos demos risadas. Ao voltar à minha sala senti falta do aparelho e voltei imediatamente à cozinha, certa de encontrá-lo. Não o achando onde acreditava estar e a fim de localizá-lo, liguei de um fixo para meu próprio número e ouvi a mensagem de que o mesmo encontrava-se desligado. Fui furtada dentro do meu trabalho, entre colegas com os quais convivo há anos, e isso me contrariou muito. Obviamente fiz alarde e todos souberam do fato. Houve até Boletim de Ocorrência, mas nada de ter meu celular de volta. Eu tinha certeza que quem me furtou era um tarado que queria ver minhas mensagens e fotos na esperança de saber algo da minha intimidade. Esta ideia me deixou furiosa!
No dia seguinte, depois de uma noite mal dormida decorrente da preocupação de não ter despertador em casa, um dos colegas foi excepcionalmente atencioso. Além de se oferecer para me trazer um café em minha sala, ele disponibilizou sua agenda caso eu quisesse anotar o número de algum conhecido em comum. Falamos sobre o sentimento de invasão de privacidade e sobre o transtorno de cancelar a linha e perder todos os contatos. Nunca tínhamos conversado sobre assuntos que não fossem profissionais, mas eu sempre achei que ele era de longe o cara mais interessante da empresa. Cheiroso, bem vestido, raramente de mau humor, tipo atlético, ciclista, frequentador de academia, loiro e de olhos azuis, boca vermelha e rosto cheio de sardas. Os comentários no banheiro feminino davam conta de que ele namorava a mesma mulher há anos e que não fazia o estilo galinha, apesar de assediado. O cara mais gato e sério do meu trabalho estava ali, sentado numa cadeira ao lado da minha, despojado, como se fossemos colegas de faculdade.  Não pude deixar de reparar no azul de seus olhos, nem no cós da cuequinha Calvin Klein que ele exibiu ao levantar vagamente a camisa. Voltamos cada qual aos seus afazeres e fiquei surpresa quando, ao fim do dia, ele me convidou para uma bebida. Normalmente não teria aceitado, mas estava ainda contrariada e, sendo ele tão atencioso, achei que me faria bem distrair em boa companhia. Foda-se se os homens são toscos, foda-se se são uns ogros, foda-se minha desilusão com o gênero; sai com o cara loiro de olhos azuis depois do expediente e fomos tomar umas!
Após meia dúzia de cervejas, umas doses e uns petiscos, ele me acompanhou até o carro. Despedimos com um beijo no rosto, mas quando me virei para abrir a porta do carro senti seu corpo me roçando, na altura do quadril. Fiquei imóvel, de costas para ele que, por sua vez, pressionou mais ainda o corpo contra o meu. Senti sua ereção por baixo da calça e me lembrei do cós da sua Calvin Klein, logo abaixo de um abdômen sarado. A embriaguez se misturou com excitação e eu não reagi. Ele seguiu em movimentos lentos, porém firmes. Esfregava-se em minha bunda, já com os braços em torno de mim e as mãos apoiadas no carro. Ele abaixava um pouco e vinha subindo, erguendo levemente meus quadris com a energia de sua ereção. Ele ousou ainda enfiar uma das mãos por baixo do meu vestido, afastou a calcinha para o lado e enfiou dois dedos dentro da minha vagina fazendo movimentos de “vem cá”. “É aqui que quero passar este resto de noite, dentro dessa buceta gostosa”, disse ele ao meu ouvido enquanto continuava a invasão. Pensei que fôssemos trepar em pé ali na rua, a poucos metros de um bar movimentado, mas ele abriu a porta do carro e se sentou. Olhou em volta e, não havendo ninguém por perto, tirou para fora da calça o seu pau delicioso. Era mesmo irresistível e eu quis chupá-lo. Ele segurou minha nuca, depois enrolou meus cabelos em seus dedos, e quase me sufocou contra seu pau algumas vezes. Ele dava o ritmo e eu obedecia, com cuidado para não machucá-lo. Escutava seus gemidos cada vez mais intensos e engolia até onde suportava aquela vara tesuda, prestes a ejacular. Puxando-me para dentro do carro e fechando a porta, ele me beijou a boca enquanto me apertava os seios e a bunda. Os beijos foram descendo pelo pescoço até os bicos dos seios, depois vieram mordidinhas, lambidas e mamadas. Segurei seu pau e comecei a bater uma punheta bem carinhosa nele, completamente esquecida de que estávamos dentro de um carro em via pública. As alças do meu vestido estavam lá embaixo e o sutiã jogado em algum lugar. Então, ele tirou minha calcinha sem me tirar os sapatos, tomou seu membro em uma das mãos e o exibiu. Ambos ficamos olhando com admiração as veias estufadas de seu cacete. “Posso meter ele em você?”, sussurrou. O safado nem esperou minha resposta, foi logo tirando uma camisinha do bolso e a vestiu. Eu estava bem molhadinha, louca para dar a buça bem gostoso e não podia esperar mais. Sentei-me em cima dele e comecei a cavalgar... Esfregava meus seios em sua boca para ser chupada e me requebrava toda naquele pau que me preencheu todinha. Ficamos um bom tempo assim e eu tive um pequeno gozo, mas queria mais. Ele pediu que eu inclinasse o banco do carro e em seguida me colocou deitada. Abriu minhas pernas, se contorceu para passar a língua na minha buceta, e se deitou sobre mim para me comer alternando estocadas rápidas com movimentos mais penetrantes. Ele me comeu maravilhosamente bem, o quanto quis, e eu gozei de novo por baixo dele. Senti sua aceleração e logo ouvi seu gemido mais rouco.
Estávamos, enfim, satisfeitos. Depois de um tempo para nos recompor e nos vestirmos, ele saiu do carro e pediu que eu o esperasse. Foi até seu carro que estava pouco a frente e de lá voltou com um embrulho nas mãos. Nossa! Ele estava ainda mais bonito, com os cabelos despenteados e as bochechas muito rosadas. Nunca mais conseguiria olhar pra ele sem me lembrar da cuequinha Calvin Klein, ou das inúmeras sardas que traz nos ombros. Aliás, queria ter tempo com ele numa cama para poder dar um nome a cada sarda de seus ombros e, depois de ser íntima, daria um apelido carinhoso a cada pintinha de seu corpo. Sempre achei sexy pele com sardas. Estava pensando nisso quando ele estendeu a mão com o embrulho. “Se quiser que eu te ligue amanhã, vai precisar de um telefone novo”, disse num tom enigmático. “O que é isso?”, exclamei ao abrir. “Um iPhone!”, ele disse secamente. “Sei que é um iPhone, mas o que significa isso?”. Ele disse que era um “presentinho para amenizar os transtornos decorrentes do furto do dia anterior”. Já cansada e para evitar bate boca, aceitei o aparelho a título de empréstimo e nos despedimos.
Ao chegar em casa, curiosa para saber como funciona um iPhone, liguei o aparelho. Havia uma mensagem de boas vindas que dizia o seguinte: “Você nunca me deu seu telefone e eu sempre te achei linda. Aceite meu pedido de desculpas”. Para minha surpresa, ao mexer no ícone “telefone” encontrei todos os meus contatos, todos! Filho da puta!!! O chip do iPhone era o mesmo que estava no meu celular antigo.                   
  
               

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

No mármore de tua bunda e outros versos

No mármore de tua bunda
 
No mármore de tua bunda gravei o meu epitáfio.
Agora que nos separamos, minha morte já não me pertence.
Tu a levaste contigo.



Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.



  ...só quem ama escutou
o apelo da eternidade


As sem razões do amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.


Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.


                               (todos os versos e poemas são de Carlos Drummond de Andrade)

 


TURISMO CEMITERIAL: O ultimo desejo da esposa de Milan Marinkovic

TURISMO CEMITERIAL: O ultimo desejo da esposa de Milan Marinkovic:   Um viúvo sérvio da cidade de Belgrado atendeu o último desejo da mulher e mandou gravar o formato da vagina da esposa falecida em su...

Necrológico dos desiludidos do amor



Os desiludidos do amor
estão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.

 
Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providências
para o remorso das amadas.
Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou no turvo inferno.

Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
e um estômago cheio de poesia...

 
Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados completamente
(paixões de primeira e de segunda classe).

 
Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.


Carlos Drummond de Andrade




Imagens: www.turismocemiterial.blogspot.com.br